Ainda é madrugada quando Gilmara Gomes de Sousa, 41 anos, sai de casa. O corpo pede descanso, mas ela já está de pé, pronta para mais um dia de trabalho. Ao longo dos 25 anos como trabalhadora doméstica, ela aprendeu a silenciar o próprio cansaço. “Tem que se virar. É muito cansativo, mas não temos escolha”, resume.
Gilmara é um entre quase 6 milhões de rostos femininos que sustentam uma das profissões mais antigas e essenciais do Brasil — mas também uma das mais desvalorizadas. Segundo levantamento recente, mais de 90% das trabalhadoras domésticas são mulheres, sendo 66% negras, com rotinas marcadas por baixos salários, ausência de direitos e jornadas exaustivas.
Apesar de representarem 25% da força de trabalho de cuidados remunerados no país, 64,5% dessas mulheres recebem menos que um salário mínimo. A informalidade também é a regra: apenas uma em cada quatro tem carteira assinada. No Norte e Nordeste, menos de 15% têm esse direito básico garantido.
Cuidam dos outros. Vivem esquecidas.
O estudo “As trabalhadoras domésticas remuneradas são trabalhadoras do cuidado”, lançado por meio de uma parceria entre o MDS, a FITH e a OIT, escancara uma dura contradição: essas mulheres são pilares do cuidado na sociedade, mas têm dificuldades reais para cuidar de si mesmas e de suas famílias.
A pesquisa ouviu 665 trabalhadoras domésticas de todo o Brasil e confirmou o que Gilmara sente todos os dias: o tempo e a energia gastos no trabalho e no transporte inviabilizam uma vida com dignidade. O cansaço crônico atinge sete em cada dez dessas mulheres. Muitas são chefes de família — 57,1% — e 34% são mães solo.
“Um salário mínimo não dá para tudo: aluguel, feira, remédios. Mesmo com carteira assinada, eu preciso fazer faxinas por fora. E muitos patrões também vivem com dificuldades financeiras”, relatou Gilmara.
Djane Clemente do Nascimento, 58 anos, carrega uma história semelhante. Começou a trabalhar ainda criança. “Meus pais me deram uma vassoura e um fogão de brinquedo. Já era um direcionamento: mulher nasce para ser trabalhadora doméstica.”
Hoje, enfrenta longos deslocamentos e um sistema que ainda insiste em negar direitos básicos. “A gente vive uma escravidão moderna. Sem hora de almoço, sem descanso, sem respeito. Precisamos ser reconhecidas como profissionais.”
Direito ao cuidado, ao descanso e ao futuro
A pesquisadora Maria Elena Valenzuela defende no artigo que nomeia o estudo: “Elas têm direito a cuidar, a ser cuidadas e ao autocuidado.”
Esse é também o compromisso da Política Nacional de Cuidados (Lei nº 15.069/2024), que reconhece as trabalhadoras domésticas como público prioritário. Segundo Laís Abramo, secretária nacional da Política de Cuidados e Família do MDS, o estudo confirma o que já vinha sendo denunciado há anos: “Apesar do papel fundamental que desempenham, vivem em condições de extrema precariedade.”
Nos últimos anos, o Brasil deu passos importantes: a EC nº 72 (2013), a LC nº 150 (2015) e, em 2024, a ratificação da Convenção nº 189 da OIT, que estabelece condições dignas para o trabalho doméstico. Mas, como alerta Paz Arancibia, da OIT, o maior desafio é cultural: superar o estigma, a discriminação e a normalização da precariedade.
Formação e reconhecimento
Como parte do plano nacional, o MDS implementou iniciativas concretas como o programa Mulheres Mil: Trabalho Doméstico e de Cuidados, com 1.800 vagas exclusivas em 2024 e outras 10 mil em cursos voltados ao cuidado.
Além disso, a criação da Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Doméstico e de Cuidados (Conadom) busca fortalecer a fiscalização e a aplicação de normas de saúde e segurança para a categoria.
O futuro começa com o reconhecimento
“Essa política inaugura uma nova forma de olhar para o trabalho que sustenta a vida”, afirma o ministro Wellington Dias. “O cuidado, exercido majoritariamente por mulheres negras e pobres, precisa deixar de ser invisível e informal.”
Gilmara sonha com um futuro simples e digno: “Dar uma boa educação para meus filhos, conquistar uma casa, envelhecer com estabilidade.” Já Djane segue firme na luta sindical: “Queremos ser reconhecidas. Queremos respeito. Queremos viver, não apenas sobreviver.”
Fonte: Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social
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